Trabalho e burnout: Entre o prazer e a angústia de ser útil
- Italo Weiner
- 19 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 9 de dez. de 2024

O trabalho ocupa um lugar central na vida de muitas pessoas, mais do que uma fonte de renda, ele pode ser um espaço onde buscamos reconhecimento, sentido e até mesmo uma forma de nos dizer de nossa identidade, entretanto, ao mesmo tempo em que o trabalho pode proporcionar realização e prazer, também pode ser fonte de angústia, frustração e esgotamento.
Na psicanálise, o trabalho é visto como um campo onde o sujeito negocia constantemente com o desejo e o Outro. O que motiva cada um a trabalhar não é apenas a necessidade econômica, mas também uma tentativa de satisfazer o desejo de ser reconhecido, de ocupar um lugar no mundo e de lidar com a falta que é inerente à condição humana.
Seja através de elogios, promoções ou até mesmo de um simples "obrigado", o reconhecimento no trabalho nos dá a sensação de que estamos nos relacionando com as pessoas, contribuindo para algo maior, e também nos comunica de que nosso esforço tem valor. Para Lacan, nosso aparelho psíquico pode compreender que esse reconhecimento é uma forma de "amor simbólico", um retorno que confirma que nosso lugar na estrutura social faz sentido.
No entanto, o problema surge quando o trabalho se torna a única fonte de validação pessoal, essa dependência pode levar ao esgotamento, nos colocando a estar sempre correndo atrás de um reconhecimento que nunca é suficiente, afinal o serviço nunca acaba. Isso leva o trabalho a ser também uma fonte de angústia, especialmente quando sentimos que não estamos à altura das expectativas que são impostas. Esse sentimento de insuficiência é amplificado em um mundo onde o aumento da produtividade é constantemente exigido e a comparação com os outros é inevitável.
Sentir-se angustiado é sempre um sinal de que algo não está certo, no contexto do trabalho, essa angústia pode se manifestar como medo de falhar, de não ser bom o suficiente ou de ser substituído. É como se estivéssemos em uma corrida sem fim para provar nosso valor, mas o ponto de chegada nunca é alcançado. Essa experiência está ligada ao "supereu", aquela voz interna que, em vez de nos tranquilizar, nos cobra incessantemente para fazermos mais e melhor e no contexto do trabalho, essa cobrança pode se tornar paralisante, gerando estresse, ansiedade e um sentimento constante de inadequação.
Essa angústia de produção e inadequação, assim como a busca pela validação, podem se combinar e se transformar em uma compulsão de nunca parar, de sempre fazer mais, mesmo às custas do nosso bem-estar. Isso é perigoso, porque, embora possa oferecer uma realização momentânea, o preço disso é o esgotamento e a perda de sentido, e é exatamente aí que entra o burnout.
Na perspectiva da psicanálise, o burnout pode ser entendido como uma forma extrema de esgotamento. Quando o desejo de reconhecimento no trabalho se transforma em compulsão por satisfazer o outro, o sujeito se vê preso em uma espiral de exigências impossíveis de cumprir, o que pode culminar no burnout, e isso ocorre quando o sujeito se esgota na busca interminável de corresponder às expectativas, tentando preencher que nunca pode ser completamente satisfeito.
No caso do burnout, o gozo (no caso esse prazer pelo reconhecimento e o alivio por comprir as tarefas) assume uma posição central, enquanto o prazer no trabalho oferece uma satisfação que respeita os limites do corpo e da mente, o gozo, em sua forma destrutiva, ultrapassa esses limites, levando o sujeito a trabalhar incessantemente, mesmo à custa de sua saúde. O sujeito "goza" do trabalho, mas esse gozo cobra um preço alto: o desgaste físico e emocional, o esgotamento profundo e, muitas vezes, a perda de sentido em tudo que antes trazia prazer.
Os sintomas que precedem o burnout, passam por uma autocobrança que nunca se satisfaz, podendo ser traduzida como uma pressão constante que extrapola o ambiente e o horário estabelecido para trabalho, no burnout, o sujeito se dá conta de que por mais que se esforce, jamais será capaz de preencher por completo as demandas do trabalho e dos ideais de produtividade, porque estes pontos são na realidade, é insaciáveis e impossíveis de satisfazer completamente.
Ao refletir sobre estas questões de burnout e o mundo do trabalho, a psicanálise oferece uma chave importante para entender o burnout: ele surge quando o sujeito perde a capacidade de equilibrar o prazer e o gozo, entregando-se completamente à busca por reconhecimento, até o ponto de se esgotar física e emocionalmente. Tendo em vista que o burnout é um fenômeno que gera um intenso sofrimento em quem se acomete dele, trago algumas sugestões que a prática clínica e as pesquisas indicam ser efetivas:
Reflita sobre seu desejo e seu cotidiano: Pergunte-se o que realmente motiva você a trabalhar. É apenas o dinheiro? O reconhecimento? O desejo de contribuir? Entender suas motivações pode ajudar a equilibrar suas expectativas e frustrações.
Estabeleça limites saudáveis: Identificar até onde vai o prazer do trabalho e onde começa o gozo destrutivo é fundamental. Não hesite em estabelecer, como de convivência, de horário e de demandas para proteger sua saúde mental e física.
Diversifique fontes de reconhecimento e de lazer: Busque formas de validação fora do trabalho. Envolva-se em atividades que lhe tragam prazer e que não estejam necessariamente ligadas ao reconhecimento externo.
Permita-se não ser perfeito: Talvez este seja o ponto mais difícil, o medo de falhar é uma das grandes angústias no trabalho. O simples fato de aceitar que é humano e que você pode errar, pode aliviar a pressão constante por desempenho.
Considere a Terapia Psicanalítica: O trabalho é um lugar onde muitos conflitos internos se manifestam. A terapia pode ajudar a explorar essas questões, oferecendo novas perspectivas sobre sua relação com o trabalho e o desejo.
O trabalho é um campo rico e complexo onde nosso desejo, nossa falta e nossa busca por reconhecimento se entrelaçam. Equilibrar o prazer e o gozo no trabalho é um desafio contínuo, mas também uma oportunidade de crescimento. O convite é para olhar para o trabalho não como um fim em si mesmo, mas como uma das muitas formas de nos relacionarmos com o desejo. Ao entender essa dinâmica, podemos encontrar um jeito mais saudável e satisfatório de nos posicionar nesse espaço tão central da vida moderna.
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